Estadão Online, Editoria Cultura, por Roger Marzochi
O governo pretende aproveitar a capilaridade das agências dos Correios espalhadas pelo Brasil para facilitar o registro oficial de músicas, restrito hoje na lei à Biblioteca Nacional e à Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Segundo Samuel Barichello, coordenador geral de regulação e direitos autorais do Ministério da Cultura, essa será uma das sugestões que serão colocadas em consulta pública, em abril, no texto que busca aprimorar a Lei do Direito Autoral, de 1998.
Apesar de a lei não obrigar o artista a registrar sua obra, em acordo com a própria convenção de Berna, a chancela oficial busca fortalecer o patrimônio cultural do País e ajudar o autor a gerar provas caso sua criação seja apropriada ilegalmente por outra pessoa. “Gostaríamos de tornar o registro mais acessível. A maior parte dos países com indústria criativa dinâmica tem um órgão forte que faz o registro. Aqui não tem uma centralização.
Um dos objetivos da reforma é criar uma nova instituição para ter um órgão central de registro, mas com escritórios descentralizados para registrar música perto da sua casa. E a ideia é ter braços nos Correios para dar dinâmica, informatizar e modernizar o sistema”, explica. O órgão foi batizado, por enquanto, de Instituto Brasileiro de Direito Autoral.
O advogado Sérgio Branco, professor de Direito Civil e de Propriedade Intelectual da Fundação Getúlio Vargas no Rio de Janeiro, explica que o direito autoral é dividido em duas partes: o Direito Moral, que é a garantia de o autor ter o nome vinculado à obra; e o Direito Patrimonial, que se refere ao uso econômico da obra. Na questão do Direito Moral, a proteção do autor independe do registro da obra. “O Direito Moral nasce com a criação da obra, quando o músico acabou de compor, por exemplo.”
O problema é que o autor deve gerar provas que, caso alguém roube sua criação para exploração comercial, possa levar o caso à Justiça. Antes da explosão da internet, por exemplo, alguns músicos chegavam a colocar a partitura ou a gravação da música, dentro de um envelope, cujo destinatário era ele mesmo. Após receber dos Correios a carta que ele mandou para ele mesmo, o documento permanecia fechado para, se necessário, ser entregue a um juiz num processo em defesa da autoria da obra.
“O registro na Biblioteca Nacional é uma forma de garantir o direito moral, assim como a certificação digital. Mas não se constitui o direito, ou seja, o juiz tem que levar em consideração prova independente do registro”, explica o advogado, também coautor do livro “Direitos Autorais”, publicado pela FGV. Segundo ele, hoje o autor pode enviar um e-mail com a música para ele mesmo, ou também gravá-la com data e hora da criação, o que garante a proteção da obra.
Aprendendo com o erro
O compositor e advogado Guto Santana ficou feliz quando um amigo o parabenizou por ter conseguido emplacar uma música sua e do maestro Jhesus Britto, “No fim desta estrada”, no disco “Sola da Bota” da dupla sertaneja Rio Negro e Solimões. A felicidade terminou rápido, quando, em contato com o produtor, descobriu que o seu nome e o do seu parceiro não constavam da gravação.
Por algum ”mistério” ainda não revelado, outra pessoa se disse autora da música. “Eles não me derem crédito no começo. Estava pensando até em entrar com ação judicial, mas nós havíamos enviado a demo, com a voz do Britto na música. E a outra parte não tinha essa prova”, conta.
Isso ocorreu quando ainda estudava direito na Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep), o que o levou a se especializar em direito autoral e a criar, há dois anos, o site MusicasRegistradas, que emite um certificado digital de música, reunindo hoje cerca de cinco mil compositores.
“No começo foi difícil, mas com o uso da assinatura digital ficou mais fácil as pessoas entenderem a validade. As pessoas são acostumadas com burocracia e duvidam de alternativa fácil e rápida”, diz. O site cobra R$ 10 do autor, que envia a música grava até mesmo no microfone do computador, com ou sem partitura, gerando um arquivo digital único.
“O maior mito é o de que registro de música só deve ser feito na Biblioteca Nacional. Acontece que a propriedade sobre obra intelectual tem caráter declaratório. A ideia do site é permitir que o compositor gere mais uma prova sobre a autoria da obra.” Segundo ele, o próximo passo agora é conseguir fazer do site uma ponte entre compositores e músicos.
0 Comentários:
Postar um comentário