Foto: Juan Barbosa
Por Babiana Mugnol (Jornal Pioneiro)
A cada término de década, voltam com força movimentos de vale a pena ver de novo. A nostalgia surge na literatura, no cinema, na música, na moda... Estilistas, cantores, cineastas e produtores culturais estão sempre buscando referências em outros tempos para suas criações.
– Estamos numa fase de muito individualismo, de uma grande reviravolta nos nossos valores. Perdemos a capacidade de ouvir a nossa voz. Talvez por isso estejamos com tanta necessidade de voltar aos velhos ícones. Queremos resgatar o que foi perdido. Recordar também é viver, mas se deixar aprisionar pelas recordações é morrer para o momento que temos em nossas mãos. – explica a psicóloga Gisela Cardoso.
Em geral, aquilo que vem antes serve de ferramenta para a criação de uma identidade, porque a arte reflete as necessidades da coletividade. Um artista vira ícone quando representa a voz de um grupo que se identifica com aquela expressão de sentimentos ou ideias.
– As escolhas culturais que fazemos influenciam nossa personalidade de maneira contínua e sutil. Elas vão nos moldando e nem percebemos. – complementa a psicóloga.
Quem vê o corretor de valores Niuton Paganella, 38 anos, todo engravatado, por exemplo, não imagina a personalidade de metaleiro que ele esconde por debaixo da roupa. Mas basta ver suas tatuagens, com símbolos e trechos de músicas da banda oitentista de heavy metal Pantera, para perceber o que ele é de verdade.
– O cover não é só um culto ao passado, mas às pessoas que influenciaram os melhores anos da tua vida e formaram não só quem tu és como músico, mas como pessoa. O importante é criar teu estilo em cima disso. – defende o vocalista do Pantera Cover e do AC/DC Cover RS.
Paganella é um dos muitos músicos que figuram na agenda cultural da região fazendo shows tributo. Se houvesse um almanaque resgatando as principais manifestações artísticas da última década na região, seria impossível não recordar dessas bandas que prestam homenagens aos seus ídolos.
Unindo diversão e trabalho
É de brincadeira que surge a maioria das bandas. Um grupo de amigos com gosto musical em comum começa a tocar cover. Alguns utilizam a experiência como aprendizado para criar música própria, outros se contentam em ficar famosos pela reprodução fiel de um ídolo. Na região, é possível encontrar desde cover de Beatles até representantes do metal. Uma das mais antigas bandas com essa proposta é a AC/DC Cover RS, há mais de 10 anos na estrada.
– Resolvemos criá-la porque éramos apaixonado por AC/DC e não tinha banda que fazia isso na época.– recorda o guitarrista Rafael Dias, único da formação original.
Geralmente, a motivação inicial desses grupos não vai muito além do que produzir um som de qualidade.
– A gente toca mais para se divertir, não tem um lance muito sério. A gente toca porque gosta de Pantera. – resume o guitarrista do Pantera Cover, Paulo Schroeber.
– O que motiva uma banda a fazer cover é a homenagem. A gente gosta muito de Whitesnake. – concorda o músico Rafael Gubert, vocalista da Blindsnake.
– A gente resolveu fazer cover de Beatles porque é a nossa maior influência. Foi natural, a gente já tocava nos shows antes de termos músicas próprias. – explica Cassiano Farina, baixista da Blackbirds.
Ao satisfazer suas preferências, os músicos atendem também um público segmentado.
– Eu já fazia cover do Iron Maiden, e o pessoal começou a insistir para criar a banda. – lembra o vocalista Marco Paim, sobre a época da criação da After Dark.
Independente do que impulsiona essa leva de caxienses a reviver músicos consagrados, tocar cover faz parte de um ciclo.
– Para nós tocar Queen e Van Halen é um aprendizado. – comenta o baterista da Dr. Eruption e da Agente Ed, João Daniel.
– Qualquer músico que deseja ser bom tem que tocar primeiro cover. Para compor, tem que estudar a música de outra pessoa e assim elevar o conhecimento. – ensina Rodrigo Campagnolo, guitarrista da Blindsnake.
A proliferação de covers
Se bares e casas noturnas costumam dar preferência para quem toca cover, em detrimento de bandas autorais, a justificativa está no público, que comparece em peso nas noites de tributo. Em função disso, é fácil perceber porque há tanta banda na região trabalhando com música de outros artistas.
Mesmo assim, casas noturnas seguidamente pedem reforço de grupos de Porto Alegre e outras cidades para se apresentar em Caxias, como a Back Doors Band (The Doors), a Creedence Cover, a ReFloyd (Pink Floyd) e a Bigger Band (Rolling Stones).
– Infelizmente, por mais que se lute para mudar, é o que o público pede – afirma Kenny Marciano, proprietário do Roxx Rock Bar.
– O público prefere cover porque são bandas mais consolidadas e fazem sucesso em várias faixas – justifica Rodrigo Longhi, que faz o Jon Bon Jovi na Bad Medicine.
– Nossos shows sempre lotam. O pessoal fica enlouquecido. Não adianta, o som dos caras é reconhecido. Tenho outra banda de autoral, mas não toco muito – argumenta Paim, cover do Iron Maiden.
Mais do que agradar o público, as bandas também almejam retorno financeiro.
– O cover é uma forma de tocar o que as pessoas querem ouvir, por isso sempre dá um monte de gente. É empolgante e, financeiramente, a gente consegue sobreviver – explica o guitarrista da banda Janis Project, Cristian Rigon.
Mas não pense que é fácil essa vida de reconstituir a carreira de outro músico, bem mais famoso.
– A banda tributo tem o público mais fiel. Tu não vais pegar na plateia um casal que foi tomar uma cerveja e tinha esse show por acaso. O pessoal está lá para cantar junto, pedir música, é gente com camiseta. O público sabe o que quer e reconhece se tu tocar mal – salienta o guitarrista Rodrigo Campagnolo.
Cover de uma banda só geralmente não é comercial. Por mais que os grupos procurem o mesmo nível técnico dos ídolos, têm suas características próprias e não se importam apenas com a quantidade de espectadores.
– Se fosse fazer o que o pessoal realmente quer, eu estaria tocando Victor & Leo – brinca Gubert.
De volta para o futuro
Ao mesmo tempo em que cultuam o passado, grande parte dos músicos que fazem cover mantêm paralelamente trabalhos autorais. Eles têm consciência de que o passado é importante, mas também é preciso criar. É esse movimento “de volta para o futuro” que deve garantir a perpetuação de grupos, apesar das dificuldades no cenário de música própria. Aí as complicações vão da composição ao espaço para mostrar esse trabalho.
– O problema é que cada músico vem de uma escola e se junta para fazer uma coisa em comum, por isso é difícil o trabalho autoral – aponta Campagnolo.
– Sou compositor e gostaria que o público quisesse música própria, mas as pessoas e as casas não querem nem saber. Por isso faço Jimi Hendrix. Ele dá um espaço para criar, até porque nunca tocou uma música duas vezes iguais, ele se reinventava a cada show – comenta o guitarrista bento-gonçalvense Felipe Taborda, da banda La Rosa Negra Quartet.
Por mais que o cover vire uma ferramenta de divulgação, ele pode também atrapalhar, já que atrela a imagem do artista ao ícone. Não se trata de uma crítica, mas é importante discutir o cenário para cada estilo.
– Aqui tem mais bandas cover tocando nos bares do que banda autoral. Caxias precisa dar um pouco mais de valor para a música própria – defende o músico Schroeber.
– O que precisa mudar não são as bandas, mas a cabeça do público para receber tanto autoral quanto cover. Se não renovar, vai chegar uma hora que a música em Caxias vai estagnar – alerta Rafael Dias, da mais antiga banda de cover da cidade em atividade, AC/DC Cover RS.
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Obs: Reportagem publicada no caderno Almanaque do Jornal Pioneiro de sábado dia 10.04.2010
1 Comentários:
amei a tatuagem meu! mto foda
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